Como
fazer um inventário extrajudicial passo a passo
Só quem já perdeu alguém próximo sabe o
quanto a burocracia do processo de sucessão pode tornar tudo muito pior. Mas,
desde 2007, a possibilidade de realização do inventário extrajudicial, feito em
cartório, tornou o procedimento menos penoso.
O inventário é o processo que sucede a morte, no qual se apuram os bens,
os direitos e as dívidas do falecido para chegar à herança líquida,
que é o que será de fato transmitido aos herdeiros.
Ele pode ocorrer de duas formas: extrajudicialmente ou
judicialmente. No primeiro caso, o inventário é feito em cartório, por
escritura pública, e é muito mais rápido, podendo demorar apenas um ou dois
meses. A lei que o instituiu é a de número 11.441, de 2007.
Já o inventário judicial é feito com o acompanhamento de um juiz e deve
ocorrer em três casos: quando o falecido deixou um testamento; quando há
interessados incapazes (menores ou interditados); e quando há divergência
quanto à partilha entre os herdeiros.
“O inventário judicial costuma levar mais
de um ano, por mais simples que seja, pois há muita burocracia envolvida”,
afirma Rodrigo Barcellos, sócio do escritório Barcellos e Tucunduva Advogados.
Por ser mais rápido e menos custoso, o inventário extrajudicial é o
procedimento mais recomendável quando não há impedimentos. Veja a seguir
os principais passos da realização dessa modalidade de inventário.
Escolha do
cartório e contratação do advogado
Os primeiros passos do inventário são a escolha de um Cartório de Notas
onde será realizado todo o procedimento e a contratação de um advogado,
que é obrigatória e pode ser comum ou individual para cada herdeiro ou
interessado.
Os honorários advocatícios são tabelados pela Ordem dos Advogados (OAB)
e variam de acordo com o estado. Mas, segundo Rodrigo da Cunha Pereira,
presidente do Instituto Brasileiro do Direito da Família (IBDFAM), nem sempre
os preços praticados seguem a tabela da OAB.
“Em muitos casos o preço é cobrado de
acordo com o trabalho que vai dar”, afirma. Segundo ele, em um inventário
extrajudicial bem simples, que envolva apenas a transmissão de um apartamento,
um bom advogado pode cobrar cerca de 10 mil reais.
Mas quando o tabelião (oficial do cartório) realiza boa parte do
procedimento, pode ser negociada uma redução dos honorários.
De acordo com Rogério Portugal Bacellar, presidente da Anoreg-BR
(Associação dos Notários e Registradores do Brasil), em muitos casos a família
se dirige ao cartório e só contrata o advogado depois. “Muitas vezes o cartório
analisa quase todo o inventário e o próprio tabelião faz toda a documentação,
tira as certidões e faz a partilha de bens. Só depois a família contrata um
advogado”, diz.
Nomeação do
inventariante
A família deve nomear um inventariante, que será a pessoa que
administrará os bens do espólio (conjunto de bens deixados pelo falecido). Ele
ficará responsável por encabeçar todo o processo e pagar
eventuais dívidas, por exemplo. “O inventariante costuma ser a esposa
ou o filho”, afirma Rodrigo Barcellos.
Levantamento
das dívidas e dos bens
Após o início do processo, o tabelião levanta as eventuais dívidas
deixadas pelo falecido. Conforme Barcellos explica, todas as dívidas devem ser
quitadas com o patrimônio do falecido, até que os débitos se esgotem
ou até o limite da herança.
Para verificar a existência ou ausência de pendências, o cartório reúne
as certidões negativas de débito, documentos que atestam que o falecido não
deixou dívidas em quaisquer esferas públicas.
“É preciso reunir também as dívidas com
credores particulares. Se elas não forem declaradas, podem acabar aparecendo.
Mesmo se não constarem no inventário, depois o credor pode ir atrás do
herdeiro”, diz Barcellos.
Além das dívidas, a família deve informar
todos os bens deixados pelo falecido para que sejam reunidos, pelo tabelião ou
pelo advogado, os documentos de posse atualizados, como matrículas de registro
de imóveis, o Documento Único de Transferência (DUT) dos carros, etc. Se
não houver irregularidades sobre os bens, como ônus ou ausência de algum registro,
o procedimento é bem simples.
Pagamento do
imposto
Para que o processo do inventário seja finalizado e oficializado no
cartório, é preciso pagar o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doações
(ITCMD), imposto estadual cuja alíquota varia de estado para estado,
podendo chegar a até 8%.
“A grande dificuldade do inventário
extrajudicial é o pagamento do ITCMD, porque ele que só acontece se estiver
tudo resolvido”, diz Rodrigo da Cunha Pereira.
O inventariante, com o auxílio do advogado ou tabelião, deve preencher a
declaração do ITCMD no site da Secretaria da Fazenda do seu estado. O documento
funciona como um resumo dos bens deixados, dos herdeiros envolvidos e dos
valores a serem pagos.
Por isso, nesta fase, a divisão de bens já deve ter sido acordada com a
família, os registros e certidões negativas devem ter sido providenciados, e as
informações sobre os herdeiros e a partilha devem ter sido reunidas.
O imposto é calculado sobre o valor venal dos bens. Por isso, no
preenchimento da declaração do ITCMD são informados os valores de mercado de
cada bem. No caso dos imóveis, por exemplo, o valor informado é aquele que
aparece no carnê do IPTU.
Após preenchida a declaração, o sistema emite uma guia de recolhimento
do imposto para cada herdeiro, já com o valor que cada um deve pagar.
Divisão dos
bens
Como o inventário extrajudicial parte do pressuposto de que os
familiares concordam com a forma como foi feita a partilha, a função do
advogado e do tabelião é apenas de explicar à família quais são os direitos de
cada herdeiro, o que fica explicitado na declaração do ITCMD.
“O ideal é sempre conseguir um acordo no
qual cada um fique com uma coisa sozinho. Se o patrimônio for de duas casas de
50 mil reais, fica um imóvel de 50 mil reais para um filho e outro imóvel de 50
mil reais para outro, por exemplo”, afirma Rodrigo Barcellos.
Porém, em muitos casos a parte que cabe a cada herdeiro não corresponde
exatamente ao valor de cada bem. Quando for assim, na declaração de ITCMD e no
inventário deve constar as condições diferentes de partilha. Por exemplo, que
cada filho ficará com 50% de um imóvel e que posteriormente definirão o que vão
fazer com ele – se vão vendê-lo e dividir o dinheiro ou se um vai vender sua
parte ao outro.
Encaminhamento
da minuta
Com a declaração do ITCMD finalizada e todos os documentos reunidos, o
cartório ou o advogado envia a minuta da escritura, que é um esboço do
inventário, à procuradoria estadual.
“Em muitos casos, os cartórios entregam o
serviço pronto para o advogado só assessorar o procedimento, mas alguns
advogados se empenham e fazem a minuta também”, afirma Rogério Bacellar,
presidente da Anoreg.
A procuradoria então avalia as informações,
conferindo sobretudo as declarações dos bens do espólio e seus valores para que
não haja erro no cálculo do imposto, e autoriza a realização da escritura do
inventário. Esse processo demora cerca de 15 dias, segundo Bacellar.
Alguns estados, no entanto, como é o caso de São Paulo, já não exigem
mais o envio da minuta para aprovação quando a escritura for lavrada em um
cartório do estado.
Lavratura da
Escritura
Depois de recebida a autorização da procuradoria e entregue toda a
documentação, é agendada no cartório uma data para a lavratura da Escritura de
Inventário e Partilha pelo tabelião, que encerra o processo.
Todos os herdeiros e respectivos advogados
devem estar presentes, munidos de uma série de documentos (veja a lista completa),
tais como: a certidão de óbito; documentos de identidade das partes e do autor
da herança; as certidões do valor venal dos imóveis; certidão de regularidade
do ITCMD etc.
Registro dos
bens nos nomes dos herdeiros
Se houver imóveis envolvidos na partilha, os herdeiros devem levar a
certidão do inventário aos Cartórios de Registros de Imóveis onde estão
matriculados os imóveis para que ocorra a transferência da propriedade.
“Feito o inventário, os bens deixam de ser dos
mortos e passam a ser dos herdeiros, que devem ir aos respectivos cartórios e
registrar a posse dos bens”, explica o presidente do IBDFAM.
A certidão do inventário, portanto, poderá ser apresentada ao Detran
para a transferência de propriedade de veículos, e às repartições públicas e
empresas para regularizar a nova propriedade do titular dos bens, direitos e
ações.
Prazo
Segundo o artigo 983 do Código de Processo Civil, o processo de
inventário e partilha deve ser aberto dentro de 60 dias a contar da abertura da
sucessão (falecimento).
Mas, conforme afirma o presidente da Anoreg, o prazo é dificilmente
cumprido na prática. “Pelo Código de Processo Civil existe o prazo de 60
dias, mas ele não é cumprido e não tem muita jurisdição sobre isso. Muitas famílias
procuram o advogado depois de seis meses e até hoje eu nunca vi nenhum juiz
estipular multas por isso”, diz.
Existem também prazos para o pagamento do ITCMD, que variam de acordo
com o estado. Em São Paulo, por exemplo, se a declaração do ITCMD não for feita
dentro de 60 dias após a data do óbito, o imposto é calculado com o acréscimo
de multa equivalente a 10% do valor do tributo, e se o atraso exceder 180 dias,
a multa é de 20%.